Templo: Tempo sem lamento

Entendo com o passar do tempo que o corpo é o templo da vida nesta rápida passagem entre o nascimento e a despedida.

Tropeço no tempo que ultimamente parece sempre correr à minha frente. Sem me dar chance de alcançá-lo, me fazendo de tola num quase brincar de esconde-esconde. Brincadeira infantil na qual também não me punha ágil.

Acomodo meus pensamentos e passeio em memórias.

Lamento pelos dias cinzas que não colori, pelas cores que não vi. Deixei passar, distraidamente, em paisagens que não escolhi.

Pelas lágrimas que não chorei e me engasgaram de dor.

O dia que deixei o café mais frio, e não adocei o suficiente.

Lamento pelo dia que não perfumei os lençóis, para receber o enlevo da paixão.

Os dias eram assim. Lamento, porque o tempo andou célere. Engraçado, o tempo era o mesmo, nesta dimensão

Os filhos cresceram, foram para a escola. O ninho ficou precocemente vazio. Olhei para trás. Fica a impressão da ausência de muitas palavras de amor.  Falta de dar as mãos aos filhos e cirandar a vida enquanto suas asas ainda estavam em formação.

Tomamos sorvete algumas vezes, lambuzados de infantilidade, como foi bom! Alguns passeios inesquecíveis. Algumas tardes com colchões espalhados pela sala, lareira acessa, TV e pipoca.  Muitos risos e miudezas inúteis. Queria tanto fazer contas de multiplicar destes momentos.

Facilmente esquecia as pausas. Os mais profundos suspiros. Era um dormir e acordar cotidianos para cumprir obrigações e sobreviver.

Mal dava conta das tagarelices da mente e do pagamento de boletos. Das demandas infantis e adolescentes. As lágrimas, costumava engolir para dentro. Afogava as vontades do coração.

Ele, o coração, foi se apertando devagar, calcificando, até adoecer.  O coração é sempre muito generoso. Deu-me outro tempo. Permitiu que o abrissem para respirar ar puro fora do peito. Depois voltou para dentro e seguimos.

Cobrou um despertar mais profundo. Saudade dobrada de um ninho povoado. Sonhos desfeitos.

Lamento, mas o tempo não quer lamento. O desfile de memórias acaba e não permite replay.

E lá vem correndo o vento do tempo: me deu de presente um verbo novo; ESPERANÇAR.

Acordei com outros sonhos. O templo é sagrado. A passagem é fugaz. A vida é rara.

Honro a vida!

 

por Maria Luiza Kuhn 2023