Para não dizer que não falei das flores.
Pergunto-me olhando para a minha infância, o que sobrou de mim?
Amarilis ficou no seu canto. Cursou ginasial. Casou cedo e hoje é avó-babá. Contentou-se com o mundo de seu tamanho, nas lonjuras onde nasci. Éramos amiguinhas de andar de mãos e ir à escola juntas. Acho que está meio murcha.
A prima mais chegada morreu aos 50 de aneurisma. Todos falavam que nossas gargalhadas eram muito mais que consanguíneas. Nos irmanava. Tulipa, se foi tão cedo!
Violeta, também amiguinha de infância, viveu mais perto de mim. Aposentou-se do mundo corporativo e finalmente faz artesanato de muito valor, aliás, sua verdadeira vocação. Ficou mais colorida.
Pergunto-me sobre a adolescência florescência da vida.
Hortênsia se casou com um médico e foi morar na capital. Virou refém de uma falsa ideia de superioridade. Viaja com o esposo, mas com certeza não viaja nos sonhos. Amarelou.
Uma prima de mamãe, a Camélia, costumava me ensinar a cantar antigas cantigas, em noites enluaradas na casa da vovó. Enricou. Com méritos, imagino. Agrobussines de monocultura. Cultiva ideias de extrema-direita e formou-se recentemente em Facebook e WhatsApp. Caiu do galho.
Flora, que sonhava com lar perfeito do tipo “família margarina”, tropeçou na realidade e lidou com filhas complicadas. Ficou viúva e agora transforma sua amargura em posts de rede social. Não desabrochou.
Jasmim amou demais e resolveu optar pela solitude. Parece serena e ainda emana seu perfume nas madrugadas da vida.
Rosinha levou um tiro. Sobreviveu, juram que não foi bala perdida e sim direcionada. Nunca mais soube dela. Parece certo que o cravo brigou com a Rosa e muito feio.
Margarida, a mais ligada. Cursou direito e estudou muito. Hoje é desembargadora na justiça estadual. Da vida pessoal, nada sei. Mas aplaudo suas causas de longe. Porque, além de brilhante, é ativista das causas femininas. Jamais despetalou.
Uma amiga de fulgor e beleza, Dália optou pela política. Sempre desinibida e atuante. Tornou-se vereadora e depois prefeita de uma pequena cidade. Viva Ela. Hoje brinca muito com os netos. Sei pelas redes sociais. Continua brilhante como a flor que a nomeia.
E eu?
Fui fabricar versos para dar conta da vida!
Me tornei poeta porque transito em espaços de metáforas e imagéticas, povoado por loucos, sonhadores e persistentes.
Não acumulei fortuna nem muita tranquilidade financeira, mesmo tendo dado duro durante anos. Meus filhos voaram cedo para fora do ninho. Os doei para a vida. (Olha lá, vida, trate-os com esmero, porque foram lapidados feito diamante, sempre assim é que troco confidências com a vida, em dias de muita saudade.)
Casei, descasei, namorei e casei novamente. Renasci feito feiticeira. Comprei um caldeirão e aprendi poções para alimentar a alma.
A paixão platônica da juventude, fiquei sabendo, criou sozinho duas filhas de um casamento efêmero e de viuvez precoce. Hoje é um careca barrigudo e rabugento.
O amor da meia-idade, profundou cicatrizes no coração. Amores, nestas fases, costumam ser assim. Lamento, fiquei desvirginada de amor, pouco sei de seus cultivares, amor meu.
Alguns, no caminho, afastei da memória e da convivência, outros/outras, deixei ficar na lembrança.
Olho agora para a efemeridade dos anos que me restam.
O que sobrou de mim?
Uma mulher cheia de histórias. Uma mulher que escreve para sobreviver, porque apesar de tudo, “a vida por si só não lhe basta.”
Hoje, pois hoje, minha casa costuma ser florida. Recebo assiduamente, flores do meu amor da maturidade.
Maria Luiza Kuhn/ março 2024