Onde sentimos as dores do mundo?

Atravesso a sala. Pela vidraça que seria a sacada, telhados e reflexos. Algum verde e alguma cor se misturam com ruas e horizonte. Poucos prédios além deste que eu resido.
O céu costuma ser muito azul e nos finais de tarde se tinge de cores que lembram laranja e vermelho, mas sempre se misturam com um não sei o que de outros tons. Este cenário do entardecer me conforta, mesmo que sempre preferisse observar o mar. Quase não chove neste lugar. Mas árvores e a vegetação são guerreiras e permanecem em pé, por vezes até florescem com cores lindas. Sinto que gostam de se lambuzar de sol. Algumas frutas tropicais também se dão muito bem. Mangas, por exemplo. O perfume e o sabor da fruta só podem vir do divino.
Dou meia volta, e na ampulheta do tempo jogada ao canto da minha sala não dá trégua, já correu mais um pouco de areia na minha régua do viver.
Enquanto isso converso com as flores. Nasceram dois lírios da paz nestes dias. Ainda não os batizei, mas parece que hoje posso dar-lhes o sagrado momento. Com permissão do Universo os chamarei de Palestina e Israel. Paz.
Também observo nosso gato. Horácio, com o nome em homenagem ao “ser dono das horas”. Andamos conversando, porque costumávamos brigar. Ele não gosta do sono da madrugada e eu gosto. Espero que entremos num acordo. Eu o perdoo facilmente quando se aconchega no meu colo em horas que assisto TV ou fico à toa no sofá. Seria uma relação abusiva?
Converso também com o xodozinho da família, o JOY. Ele é um Yorkshire. Ciumento que só, mas mantemos uma linguagem toda própria. Nos entendemos perfeitamente.
Quando sinto falta de voz humana, durante meu dia, chamo algum dos meus afetos ao telefone, e se atendem, puxo uma conversinha para lembrar que continuo por aqui, entre gentes, bichos e plantas.
Sigo então perambulando pela casa, considerando escrever. Não sou jornalista. Sou poeta. A escrita me aquieta o coração. Consola meu desespero. Por isso, nada de escrever sobre as barbáries. As guerras. A fome. A miséria. As catástrofes ambientais. A desesperança me invade em vários momentos durante o dia. Mas me nego a escrever sobre estas. Deixo para os analistas, e os temos aos borbotões, qualificados ou não.
Perambulo me distraindo e por vezes, me pego rezando, como se a prece pedisse passagem e, brotasse diretamente do coração.
As letras, felizmente, sempre me aguardam. Mesmo assim, são tempos de muita reflexão.
Amém!

Por Maria Luiza Kuhn

11 de outubro de 2023

Onde sentimos as dores do Mundo