Menino resgatado.

Ele acabara de fazer a única refeição do dia. Uma rala sopinha que a mãe prepara.

A sopa veio com gosto de preocupação antecipada. Mesmo assim ele foi dormir com quentinho no estômago e um abraço desajeitado da mãe.

Sonhou com o mar. Um sonho recorrente, onde se sentia livre num voo de ondas e azul infinito. Algum dia haveria de realizar o sonho de conhecer o mar.

Acordou de repente num lugar desconhecido. Um barulho e um abraço.

As hélices giravam numa desesperada urgência. Alguém o levantava pelos braços e o colocava sentado. Sentia muito frio e estava encharcado.

A água tornara-se uma imensidão barrenta. Não era o mar dos seus sonhos.

Acordou órfão do sonho. Tornara-se um órfão da tragédia. Procurava pela mãe no olhar e na voz.

O menino sonhador, resgatado no telhado, acordara órfão.

A inundação roubara seus sonhos, sua família e sua vida.

Sentia fome, sede e solidão.

Maria Luiza Kuhn/maio 2024