Gestar

Para fazê-lo nascer é preciso engravidar várias vezes. É preciso fazer amor devagarinho. Saborear cada orgasmo como se fosse o único. É por vezes ter o gozo abortado.  Imagino como sexo tântrico.

A gravidez se forma de várias páginas, escolhas, capítulos, releituras, histórias. É longa e de muita entrega, a gestação de um livro.

O livro feto muda de lugar com frequência. Por vezes dorme um soninho no ventre entre águas fluidas do útero. Um pouco mais tarde quer bater à porta do coração para estar próximo à sua função vital. Outras vezes toma conta de sua respiração gestacional. Mora nos pulmões.

Quando visita a área dos pensamentos quer ser racional, apaga frases, palavras. Critica. Melhor dormir até mais tarde neste dia.

A gravidez evolui e o livro começa ser gestado na totalidade; toma jeito, forma e começa até ter um certo perfume. A cor vem até a garganta. Chama uma flor. Um raio de sol. Uma tarde de chuva. Um mar azul. É hora da primeira ecografia. Oficio de revisão.

Das várias cópulas com as palavras, sentimentos, pensamentos vai nascendo algo que já não cabe num só corpo.

Sente-se uma euforia estranha, quando se aproxima o The end! Parece que os poros vão inchando e querem explodir. As palavras pedem passagem. Muito em breve serão do mundo, como os filhos gestados que nos são emprestados para doá-los ao universo.

Este torpor entre o rompimento da bolsa da vida do livro e a hora doo parto, é transcendental. É choro, riso, bailado, uma dor incomensurável. Um prazer indizível.

Costuma sobrevir um gosto de lágrimas num choro de saudade antecipada. Lá se vai ao mundo mais uma cria. Polinizada de amor. Gestada em várias estações. Revisitada em madrugadas, em noites, em caminhos e descaminhos. Reescrito com muitas tintas.

Um amor feito de letras e suas combinações. De poeiras de estrelas que se juntaram para gestá-lo e fazê-lo.

Para todos os livros que nascem, o amor!

 

MARIA LUIZA KUHN

DEZEMBRO 2023

reeditado