É possível pisar em carinho?

Pois afirmo que sim! E ainda acrescento, eu piso também em saudade. Literalmente. Calma, para entender.

Ela era assim: uma artesã que enfeitava seus dias e contava pontos. Amava cores e era ansiosa em terminar suas obras. Onde costumamos ver descartes, ela via possibilidades de transformar em enfeites, bregas às vezes, é verdade. O que importa, não é? Importa que ela transformava, pelo olhar lúdico, o que a vida ofertava.

Jamais frequentou uma escola de artes. Sequer era letrada em universidade, ficara somente nas séries iniciais de escolaridade, pois diziam que não era boa para números, então para que estudar? (crenças familiares)

Mal sabiam que se tornaria sábia nas contagens em pontos de crochê como poucos e de ave-marias nas rezas de seus terços, sempre pedindo pelos filhos. Costumava repetir serem seu maior tesouro. Tinha saudade do pai das “crianças” que em determinado caminhar se apaixonou por outra, mas afinal lhe dera o maior presente do mundo: seus filhos.

Costumava ser bem ciumenta em suas obras de arte. Não gostava de vender e nem doar. Todas eram para seus “tesouros” e descendentes. No máximo, alcançavam sobrinhos e irmãs.

As mãos de minha mãe eram talentosas. É uma honra ter vivido um tanto da minha vida dentro de suas entranhas. Mesmo que sem memória consciente, tê-la conhecido por dentro.

É uma honra ter herdado mãos que uso para juntar letras, quem sabe numa alegoria em criar peças pelos pontos.

Hoje, meus pés pisaram no carinho que ela me deixou como uma das últimas das inúmeras obras que ela fez ponto a ponto, antes de renascer noutro mundo.

Mas a saudade vem em forma de lembrança de um vestido branco que ela teceu por meses, refazendo alguns pontos, até estar “perfeito”. Meu vestido de noiva!  As lágrimas são inevitáveis.

Mãe, um amor de eternidade!

Maria Luiza Kuhn, 07/05/2021.