As mãos da Mãe
As mãos da mãe limparam a pele do bebê, com todo o cuidado que um corpo recém-chegado ao mundo exige.
Mãos que lavaram fraldas de pano todos os dias, muitas feitas com lençóis antigos, já gastos, mas ainda dispostos a servir.
No varal, aquelas fraldas alvejadas dançavam ao vento como bandeirinhas preparadas para uma festa junina. Neste caso, uma festa sem cores, sem música, sem fogos. Ainda assim com vida.
O varal estendido era um anúncio silencioso: nasceu uma criança na casa. Bastava isso para a vizinhança saber que o ciclo da vida continuava.
As mãos da mãe, antes mesmo de encher o tanque onde lavaria a roupa, faziam subir e descer, num ranger cansado, o balde de lata amarrado em cordas.
Lá do fundo do poço, vinha a água fresca como presente generoso do silêncio da terra.
Eram essas mesmas mãos, lavadas na água fria do último balde puxado, que desnudavam o seio cheio de leite.
Ajeitavam o bico com cuidado, alimentando o pequeno corpo que chorava de fome.
Logo, a bebê adormecia no berço de vime que o avô preparara com carinho.
As mãos da mãe, então, seguiam até o fogão à lenha.
Reavivavam o fogo aceso ao amanhecer. Antes do fogo voltar a crepitar, aproveitavam o calor morno, lixavam a chapa, deixando-a brilhante.
Quem sabe ali, no brilho discreto do ferro, refletiam-se sonhos antigos, escondidos no coração.
Depois, descascavam mandioca, raiz abundante na região, complementando a frugal refeição.
O feijão, ao fogo lento, cozinhava como quem espera um novo dia chegar.
As mãos da mãe, serviam a mesa cautelosamente, no aguardo do seu homem que chegava da roça para o almoço.
As mãos da mãe lavavam a louça numa bacia de alumínio. O sabão caseiro, feito com soda, castigavam a pele das mãos da mãe. Ainda que habituadas às lidas domésticas, carregavam a delicadeza dos seus sentires.
Nas mãos da mãe, feridas se abriam como pequenos olhos doentes, alérgicas ao produto caustico. Talvez ali estivessem retratadas dores dos sonhos não alcançados, os quais a mãe vagarosamente soterrava.
Hoje, a filha, já adulta, observa as próprias mãos, cuidadas com cremes e manicure.
Na memória as imagens transfiguram a realidade. Nelas vê espelhadas as mãos da mãe. Mãos tão incomuns, que carregavam, mesmo feridas, um pequeno grande mundo.
E chora, ao se perguntar em silêncio:
Por que, como derradeira gratidão, não cuidei das mãos da mãe?
Maria Luiza Kuhn
Imagem IA
junho/2025