No universo das letras, poucas figuras brasileiras brilharam com a intensidade e originalidade de Hilda Hilst. Escritora, poetisa, dramaturga, e uma das personalidades mais singulares da literatura contemporânea, Hilda desafiou convenções, explorou os recantos mais profundos da existência humana e deu voz a um grito literário que ecoa até os dias de hoje.

Mas o que muitos não sabem é que, além de sua obra singular, Hilda também teve um relacionamento peculiar com o chamado Trans Comunicação Instrumental (TCI), uma área de estudo que busca estabelecer comunicação com o além por meio de dispositivos eletrônicos. De maneira curiosa, a dama da literatura brasileira experimentou a captação de vozes do além através de seu gravador, desbravando terrenos inexplorados do misticismo.

Um dos registros mais notáveis dessa faceta de Hilda Hilst é uma entrevista concedida à Revista Planeta, uma publicação que marcou época. Publicada na edição número 58 de julho de 1977, essa entrevista destaca-se por diversos motivos. Além de oferecer um vislumbre do pensamento aguçado e da personalidade única de Hilda, também toca na questão do TCI, um tema que, naquela época, era relativamente desconhecido e que Hilda, de certo modo, ajudou a popularizar.

A Revista Planeta, por sua vez, era uma das principais vitrines da cultura, literatura, ciência e arte no Brasil. Fundada em 1966, a revista desempenhou um papel fundamental na disseminação de ideias, apresentando entrevistas com figuras de destaque em diversas áreas. Seu compromisso com a intelectualidade e a curiosidade pelo conhecimento faziam dela um veículo ideal para explorar os pensamentos e experimentos de Hilda Hilst.

Neste artigo, mergulharemos nessa entrevista, que não apenas traz à tona aspectos fascinantes da vida e obra de Hilda, mas também revela sua relação com o TCI, um fenômeno que até hoje suscita questionamentos e debates em busca de respostas sobre o além e as fronteiras da comunicação entre os mundos. Fique conosco para uma jornada na mente de Hilda Hilst e em direção às vozes que ecoam para além do tempo e do espaço.



Poeta_e_os_Mortos 

UM POETA

CONVERSA COM OS MORTOS

 

ENTREVISTA FEITA POR LUIS PELLEGRINI E ELSIE DUBUGRAS

A escritora e poeta Hilda Hilst recebeu a equipe de Planeta em sua casa, numa bela fazenda perto da cidade de Campinas. Pudemos conversar longamente com a pesquisadora, e ouvir um grande número de fitas gravadas contendo vozes parafísicas.

Transcrevemos abaixo apenas uma parte do nosso diálogo, esperando com ele transmitir para o leitor a qualidade, o rigor e as dificuldades que tal pesquisa apresenta.

Como despertou seu interesse por essas pesquisas, Hilda?

 

Soube do assunto lendo um artigo do investigador sueco Friedrich Jurgensson. Logo depois comprei seu livro Telefone Para o Além, que me deixou muito emocionada.

Na verdade, há anos desde que me conheço por gente, penso nessa coisa terrível a morte, um mergulho no nada.

Decidi reproduzir as experiencias de Jurgensson. Isso foi há pouco mais de três anos, e eu estava certa, ao começar, que não obteria nenhum resultado

Comecei com um gravador pequeno, inadequado, pois produzia muito ruído.

Simplesmente deixava o aparelho ligado, enquanto eu estava sozinha, ou com outras pessoas. Eu permanecia nas proximidades.

Durante muito tempo nada aconteceu. Mas certo dia eu falava com uma amiga sobre essa experiencia, e ela dizia que só acreditava com provas. Nesse momento, no gravador ligado, apareceu a expressão: Ah, querido.
Uma voz que não era nem a minha nem a de minha amiga. Uma voz suave e bonita.

Fiquei entusiasmada, e comecei a experimentar todos os dias.

Seguiu-se depois um período em que nas fitas aparecia frequentemente a palavra ankar, dita em tons altos ou baixos. Era curioso, as vezes, enquanto eu conversava com outra pessoa, na gravação do diálogo a palavra ankar que não tinha sido pronunciada, substituía outras palavras realmente pronunciadas por nós.

Certa vez um amigo veio me visitar.

Estava doente, e pensava em fazer um transplante de rim.

Como tratava-se de uma operação difícil, especulávamos se não existiam outras possibilidades de cura, como as operações paranormais ou mediúnicas; enfim, uma intervenção médica realizada em outras dimensões.

O gravador permaneceu ligado durante nossa conversa. Ao ouvir a fita, tivemos a surpresa de encontrar em meio às nossas próprias vozes uma outra, de homem, que dizia: Que dia lindo!

Ficamos muito emocionados, e decidi que essas experiências precisariam de um apoio cientifico.

Você procurou explicações cientificas para as gravações?

Chamei diversos amigos, físicos, matemáticos, engenheiros, a maioria ouviu as gravações, ficaram entusiasmados, mas, nos comentários que faziam depois havia sempre um tom jocoso que certamente nascia de dúvidas quanto à autenticidade do fato. Alguns achavam que a coisa não tinha o menor interesse e que "era melhor perder tempo com outras bobagens"

 

 

TECNICA DA GRAVAÇÃO

 

Quando você começou a experimentar com o gravador acoplado ao rádio?

 

Em seu livro Jurgensson aconselhava os pesquisadores a acoplarem o gravador a um rádio, não sintonizado em nenhuma emissora, isto é, numa Inter frequência. Pode ser tanto FM como AM mas a maioria prefere esta última. Eu comecei em FM porque dá um som mais puro, e uma faixa menos congestionada. Experimentava todos os dias, das 21 horas a meia-noite.

Gravava cinco minutos e escutava a gravação para ver se havia captado algo. Aos poucos, começaram a aparecer as vozes que Raudive classificava como de tipo C, que são vozes que se sobrepõem, e elas são muito difíceis de serem entendidas. As vezes uma frase destaca, você entende o pedaço de uma frase,

mas quase nunca a coisa vai até o fim. As vozes de tipo C são distantes, parecem vir detrás de paredes grossas. Nessa fase o investigador fica muito

excitado. No afã de entender o que dizem essas vozes, seu ouvido vai ficando treinado. Comigo aconteceu assim. No meio do emaranhado de vozes, passei a entender frases e expressões.

Muitas vezes ouvia: Hilda. Mentalmente passei a pedir que as vozes aparecessem mais altas e nítidas, a esse ponto tinha vontade de mostrar as vozes a outras pessoas. e não as conserva-las só para mim.

Para isso necessitava de coisas mais claras.

Como foi que as vozes se tornaram mais precisas e audíveis,

compondo frases que parecem conter mensagens?

Aos poucos as coisas foram melhorando. Certa vez, tinha sintonizado a Rádio Eldorado de São Paulo, que transmitia “Dança do Sabre”, de Katchaturian, de repente, no intervalo entre um movimento e outro ouço uma voz de mulher falando rapidamente, de forma quase declamada. Após escutar a gravação da fita, outra surpresa: a voz falava em francês. Uma frase bastante longa, da qual tenho dúvidas apenas sobre uma ou duas palavras:

"Dans ce roman (nous eumes ou n'osez) des petites fils Chante avec notre ami”. A expressão petites fils é muito clara, o que é curioso, pois trata-se de um erro de concordância, já que em francês petit é um adjetivo no feminino, e fils um substantivo masculino. Interpretei a frase como sendo um recado pessoal para mim, já que as expressões “Dans ce roman” e “petit fils” tem para mim significados importantes relacionados a experiências intimas.

Logo que pude fui a São Paulo, a Rádio Eldorado e pedi para ouvir o disco de Katchaturian. O disco estava limpo, isto é, a frase em francês só apareceu durante a gravação naquela noite. Vale a pena notar que nessa noite, logo após a gravação que citei acima, apareceu uma outra que dizia: "Eu tenho um amigo muito doentinho". Na ocasião eu hospedava aquele mesmo amigo com problemas de rim a que já me referi antes.

 

Você liga essas vozes a alguma experiência místico-religiosa?

Absolutamente não. Não pertenço a nenhuma sociedade esotérica, não sou espirita, não professo nenhuma religião ortodoxa. Interesso-me por todas as correntes espiritualistas, mas não me ligo a nenhuma delas. A maioria das pessoas que pertencem a tais organizações me parecem quase sempre dogmáticas, esquematizadas, e querem logo explicar as gravações de forma conveniente as próprias crenças.

Acho que esse tipo de abordagem só traz confusão à pesquisa.

As frases gravadas nunca têm um sentido místico ou religioso?

As vezes cheguei a sentir isso. À medida que o pesquisador trabalha, as vozes aparecem com crescente frequência. Mas chega a irritar a banalidade dos conceitos exprimidos.

Certa vez consegui uma gravação extraordinária. Estava com o gravador acoplado ao rádio, sintonizando a Rádio Andorinhas de Campinas. No ar uma música americana. De repente, no meio da música, uma voz nítida disse: “Estudando, Hilda?” Essa foi a primeira vez que meu nome

apareceu numa gravação. Isso se repetiu muitas outras vezes.

 

 

A VOZ JÁ ESTAVA NO DISCO

 

Outra ocasião, sempre sintonizando a Rádio Andorinhas, gravei outra música.

Ao ouvir a fita, apareceu nitidamente, em meio à música, a frase: "Telamirim Gilson. E se eu dissesse que Deus é amor?" Uma voz masculina, bonita, perfeitamente audível e... com forte sotaque português.

Dez dias depois. Por coincidência, gravei novamente a mesma música, sempre irradiada pela Andorinhas e uma outra vez a frase repetiu-se, no mesmo ponto. No dia seguinte fui a Campinas procurar os técnicos da rádio. Expliquei que ao gravar a música, na noite anterior, um locutor com sotaque português arruinara minha gravação dizendo aquela frase bem no meio da melodia. Os técnicos afirmavam que isso era impossível, e provavelmente acharam que eu era um tanto desequilibrada. Mas tocaram o disco para tirar a dúvida.

Aí aconteceu o inesperado: a frase estava gravada no próprio disco, cuja matriz original era inglesa, a musica chama-se Pussy Cats, é de autoria de John Lennon, e foi gravada pelo cantor Harry Nilsson. Os técnicos ficaram boquiabertos. Tocavam o disco há quase um ano e nunca ninguém percebera aquilo.

Um meu amigo, a quem contei essa história, possuía o disco original em inglês. Pois bem, a frase existe na matriz original.

Esse fato, embora curioso, me fez redobrar o cuidado com as experiências.

Percebi que outros fatores poderiam provocar e intervir no aparecimento das vozes

 

Você já conseguiu dialogar com as vozes? Isto é, fazer perguntas e receber respostas?

 

A coisa mais difícil. para todos os pesquisadores, e estabelecer um diálogo.

O padre suíço Leo Schmidt, que morreu o ano passado, parece ter conseguido. Um amigo do pesquisador Raudive conseguiu conversar com Pasternak, o escritor russo, e agora também Magyary, no Brasil. parece estar obtendo resultados.

Quem mais diálogos tem obtido é justamente Jurgensson, que gravou mais de cinquenta vozes de amigos já falecidos que diziam: Alô aqui é fulano.

Tenho conseguido algumas vozes que reconheço como sendo de pessoas

amigas já falecidas, mas elas não se identificaram pelo nome.

Consegui também, em 1974, uma gravação com a voz de minha mãe, falecida em 1970. Na ocasião eu estava com um sobrinho, que era seu neto predileto.

Com o gravador ligado, mas não acoplado ao rádio, pedi que ela viesse e falasse. Disse a Roberto, meu sobrinho, que falasse no microfone com a avó, como se ela estivesse viva. Ele começou:

“Vovó, espero que esteja bem: Espero que a senhora esteja feliz”.

E então, veio a voz dela. Ela disse "Sim".

Com a voz embargada, muito emocionada. Roberto continuou:

"Continue zelando por nós".

Enquanto estávamos gravando, não ouvimos o "sim", mas quando fomos

ouvir a fita, a palavra lá estava. clara e nítida.

 

Se muitas das frases são realmente mensagens pessoais para você, por que, na sua opinião, elas se expressam de forma tão pouco objetiva?

 

É uma pergunta que me faço várias vezes. Somente agora penso que começo a entender o processo. As vozes, na minha opinião, falam como as pitonisas e oráculos antigos. As ideias que transmitem não tem, aparentemente.

sentido objetivo. Mas, quanto mais as ouço, quanto mais desenvolvo a pesquisa, percebo que conseguem me transmitir recados. Coisas que apreendo de forma talvez não racional, mas que nem por isso deixam de ter para mim significado e importância.

 

 

CETICISMO E ENTUSIASMO

 

Como as pessoas recebem seu trabalho?

 

Normalmente com ceticismo e ao mesmo tempo, com muito entusiasmo.

É até paradoxal. Minha maior preocupação, apresentando as gravações num lugar público, como é o caso do salão onde se realiza o V Colóquio

Brasileiro de Parapsicologia, é que as vozes perdem a nitidez.

Elas são bem audíveis com aparelhagem adequada, gravadores sensíveis e fones de ouvido.

 

Você já perguntou a especialistas se e possível eliminar por meios técnicos os ruídos indesejáveis das fitas?

 

Sim. Disseram-me que é possível melhorar um pouco com a utilização de aparelhos que selecionam os ruídos. Mas ainda não encontrei nenhum especialista disposto a colaborar comigo nesse sentido. Creio que seria uma ajuda muito valiosa.

 

E quanto autenticidade da experiencia, como reagem as pessoas?

 

Minha experiência nesse sentido tem sido quase sempre dolorosa, principalmente no que toca aos chamados meios intelectuais. Uma ocasião fui ao Rio de Janeiro, e numa reunião em casa de amigos apresentei algumas fitas.

Estavam presentes pessoas importantes da arte, ciência, cultura. Quando comecei a falar demonstraram muito interesse. Mas puseram-se a beber muito uísque, e quando chegou o momento de ouvir as fitas já estavam bem tocados.

Assim, ante a dificuldade de entender facilmente as vozes, ficaram muito irritados, e passaram a me agredir. Fui acusada de megalomania e coisas piores. Um dos mais importantes psicanalistas do Brasil estava ali. A certo ponto, ele me deu um tapinha no rosto e disse:

"Então a menina aqui diz que os mortos continuam a falar. Mas que chatice vai ser se isso for verdade!" Quando argumentei que não sabia se eram ou não realmente vozes de mortos, que isso era apenas uma hipótese, e que o fenômeno era importante em si mesmo, independente dessa conotação, ele retrucou, tentando ser científico. “Se as gravações são autênticas é o teu subconsciente que está gravando”.

Enfim, foi horrível, sai de lá chorando. Mesmo que fosse meu subconsciente gravando, o fato não teria interesse?

 

 

QUANDO CAEM OS PEQUENOS MUNDOS...

 

Por que, na sua opinião, muitos intelectuais reagem de maneira tão hostil a esses fenômenos?

Não sei ao certo. Creio que, no fundo, têm medo de qualquer coisa nova que possa surgir e abalar os alicerces do pequeno mundo que cada um escolheu como sendo a própria soma das verdades universais.

Quem se recusa obstinadamente a sequer considerar a hipótese de que alguma coisa sobrevive à morte física. Certamente se revolta ante a possibilidade de que alguém esteja recebendo mensagens de falecidos.

 

Se essas hipóteses fossem com provadas, qual seria a maior contribuição que seu trabalho proporcionaria para a melhora das condições de vida

do ser humano?

A pergunta tem resposta muito ampla. Tentando fazer o resumo do resumo, diria que provar que os mortos conseguem comunicar-se de forma inteligente significa provar que a inteligência permanece após o desaparecimento do corpo. Você pode imaginar o que isso significa em termos da eliminação de tanta angústia problema ainda insolúvel da própria morte?



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É Minha querida Hilda Hilst,

Hoje, quase cinquenta anos após essa icônica entrevista que você concedeu à Revista Planeta em 1977, trago notícias empolgantes sobre o avanço do Trans Comunicação Instrumental (TCI). Seu fascínio por essa busca por comunicação para além do nosso mundo se mantém tão relevante e intrigante quanto sempre.

A evolução do TCI desde a sua entrevista é notável. Hoje, os pesquisadores desbravam novos caminhos, utilizando aparelhos cada vez mais sofisticados e inovadores. Um exemplo notável é o surgimento dos chamados "Spirit Box", rádios projetados especificamente para facilitar a comunicação com entidades do além. Esses dispositivos operam de maneira singular, passando automaticamente por diversas frequências de rádio em rápida sucessão, possibilitando respostas e interações que, em sua época, seriam inimagináveis.

Outro avanço impressionante é a Trans Imagem, uma técnica que se desenvolveu a partir de pesquisas envolvendo televisores. Agora, a comunicação não se limita mais apenas ao áudio, mas também transcende para o âmbito visual. Imagens e visões, anteriormente consideradas como sonhos ou devaneios, são agora captadas e analisadas, ampliando nossa compreensão sobre a comunicação com o além.

E tem mais, Hilda, um estudo recente realizado pelo Dr. Jeffrey Long, em agosto de 2023, trouxe uma descoberta notável que, tenho certeza, seria do seu profundo interesse. Baseado em mais de cinco mil Experiências de Quase-Morte (EQMs), a pesquisa comprova a continuidade da consciência inteligente após a morte. Isso reforça sua intuição e inquietação de que há muito mais do que nossos sentidos podem perceber.

Embora você já tenha ido além, sua curiosidade e paixão pela exploração das fronteiras do conhecimento continuam inspirando todos nós. O TCI e sua busca por compreender os mistérios do além não cessam de evoluir, abrindo novas portas para o entendimento de nossa existência e transcendência.

"Mas tenho certeza que hoje você já sabe de tudo isso!"

Obrigado por ter sido uma pioneira, por desbravar esse território inexplorado e nos deixar um legado de coragem intelectual. Sua presença e sua voz ecoam através do tempo, nos desafiando a explorar, questionar e buscar respostas, assim como você sempre fez.

Com gratidão e admiração,

Petricelli